JUIZO DE GARANTIAS E O INQUERITO DO FIM DO MUNDO

A origem do Juiz de garantias

Quando Sérgio Moro era ministro da Justiça do Ex-Presidente Bolsonaro ele idealizou a lei 13.964/2019, todavia, o deputado Marcelo Freixo do Psol incluiu no pacote anticrime uma emenda (substitutivo) que gerou divergência entre o então ministro e o ex. presidente. A referida emenda incluiu ao código de processo penal os artigos 3ªA até o 3ªF chamado juiz de garantias.

Na época havia uma pressa muitas grandes em aprovar o pacote anticrime (proposta de Bolsonaro de campanha) e aproveitando-se disso, a oposição apresentou o substitutivo em sessão deliberativa as 17:57h porem as 19:44h quando foi lido o projeto em plenário não falaram nada sobre o juiz de garantias culminando com sua aprovação às 21:32h. Quando foi para o Senado a tramitação durou apenas 3 dias sem manifestação técnica apesar do claro erro legistico.

Quando foi a sanção do presidente ao projeto com a inclusão do juiz de garantia incomodou muito o ex. juiz, Sérgio Moro, culminando com um desgaste substancial na Direita e colocando o Ex-presidente no Raio do furacão com a hastag: “bolsonarotraidor” em um revanchismo com o Ex-juiz.

Por quê surgiu o Juiz de garantia?

Uma das principais razões inclusive, citada por alguns ministros como o do ministro Gilmar Mendes durante o voto das ações diretas de inconstitucionalidade do pacote anticrime é a operação lava jato em que verificou-se que a promotoria e o juiz mantinha conversas a fim de produzirem provas a respeitos dos fatos. E se estivesse em vigor o juiz de garantias à época do julgamento da lava jato provavelmente, o Ex-Juiz Moro teria sido impedido de julgá-los por ter participado no processo anterior referente aos doleiros na colheita das provas por, talvez, gerar, no entendimento de alguns, um pré julgamento o que afetaria sua capacidade de sentenciar já que seu subconsciente estaria supostamente comprometida em confirmar o que ele já houvera produzido como prova havendo uma ausência de dissonância cognitiva ou capacidade de julgamento imparcial.

A teoria da dissonância cognitiva

Para você entender melhor vou explicar a questão da dissonância cognitiva que foi uma conceito que fundamentou o juiz de garantias cuja autoria atribui-se a uma psicólogo chamado Leon Festinger e que foi utilizado por vários ministros em seus votos. Segundo o entendimento desse psicólogo o ser humano a fim de economizar energia cerebral busca zonas de conforto ou uma estado de coerência em suas opiniões.

Por isso, quando você faz uma pergunta para alguns eles não sabem responder por que votam no candidato tal, porem, ao perceber como veem a vida, pode-se identificar que a forma com que aquele candidato se posiciona coaduna com suas decisões anteriores. Todos nós temos a tendência a buscar argumentos que inconscientemente ou conscientemente justificam uma determinada decisão ou seja, queremos manter uma coerência nos posicionamentos.

A referida teoria trabalha o outro lado da moeda que é a questão de que não queremos ser incoerente com nossas opiniões ou ter uma dissonância cognitiva e por isso, se uma juiz trabalhou para obter uma prova, teoricamente com base na teoria, ele vai julgar de maneira a confirmar a decisão inicial mantendo assim, uma concordância cognitiva.

A partir dessa teoria surgem algumas alguns efeitos ou desdobramentos como o efeito da inércia ou perseverança ou desvalorização de elementos cognitivos dissonantes ou seja, uma pessoa que vota no candidato x certamente vai desvalorizar questionar e criticar o candidato Y pois, são opositores.

Além disso, muito provavelmente, ele fará uma uma busca seletiva de informações a respeito do candidato x de modo que tais informações sejam consonantes com aqueles valores inconscientes ou conscientes a respeito do candidato x buscando argumentos que justificam aquele posicionamento inicial mesmo que as vezes sejam deveras absurdos e isso, fará com que seu estado de conforto seja maior.

Algo muito comum que ocorre também é essa pessoa que gosta do candidato x evitar ter contato com qualquer informação ou elementos cognitivos divergentes daquela opinião pois, isso a tira da zona de conforto e a faz ter que refletir de tal maneira que isso gera uma desconforto cognitivo.

Um outro pesquisador fez uma pesquisa a respeito do tema chamado Bernd Shuneman dentro do processo penal e concluiu que na maioria das vezes o juiz que busca a prova tem a tendência de condenar sem considerar de forma claro os argumentos.

STF decide sobre o juiz de garantia

Após a promulgação da lei surgiu diversas ADI 6.228, ADI 6.300 e ADI6.305 questionando os dispositivos criados pelo pacote anticrime especialmente, o juíz de garantias, como consequência disso, em decisão monocrática o ministro Luiz fux já em 22 de janeiro de 2020 suspendeu a eficácia dos dispositivos a partir do 3a até 3F do CPP com várias argumentos como: a violação do juiz natural, criação e despesas sem previsão orçamentária e a incompatibilidade com a estrutura judicial dos estados.

Porem, em 24 de agosto de 2023, o STF voltou ao tema e declarou a constitucionalidade e inconstitucionalidade de vários desses dispositivos. Curiosamente, o primeiro desses dispositivo que consta no título do CPP não tem nada a ver com o juízo de garantia, mas, sim sobre os sistemas processuais e a atuação do juiz. E é aqui que surgem as maiores críticas ao inquérito das fake news ou das milícias digitais. 

Fundamento das críticas ao inquérito das fake news ou das milícias digitais e o juiz das garantias

Tradicionalmente, considera-se que existem 3 modeles de sistemas processuais. O primeiro modelo é chamado de inquisitório em que não há a separação entre quem acusa, julga e investiga sendo centrado tudo na mesma pessoa criando uma espécie de processo judicialiforme. O segundo modelo é o que é adotado no Brasil chamado Acusatório onde as referidas funções são realizadas por pessoas diversas (acusador, defensor e juiz) o terceiro mistura ambos.

O juiz de garantia veio para privilegiar o sistema acusatório porem, tais regras não se aplicam para Lei Maria da penha, processos de menor potencial ofensivo e os de competência originária dos tribunais como é o caso do processo das fake news ou das milícias digitais da relatoria do ministro Alexandre de moraes.

A maior parte dos países democrático adotam esse primeiro sistema, nos EUA por exemplo, usam-o porem, com uma característica diferente do Brasil pois lá, é o acusatório adversarial ou seja, o juiz é passivo não faz nada, quem tem que produzir todas as provas são as partes.

No Brasil o modelo é diferente pois, teoricamente, serão 2 juízes que atuarão no processo, um juiz de garantia na fase de investigação para evitar a contaminação do julgado e que atua até o oferecimento da denuncia e o outro, na fase de instrução e julgamento, essa é a regra agora.

Outro ponto bem criticado é o fato de que haveria impedimento do juiz de garantia na fase processual ou vice versa Inclusive, tinha um artigo que impedia que o juiz da instrução e julgamento tivesse acesso ao trabalho do juiz de garantia, mas, o STF entender ser inconstitucional esse ponto.

O texto inicial previa algumas regras que impediam o juiz da instrução de promover quaisquer diligencias investigativas porem, o STF reinterpretou o dispositivo e disse que na fase de produção de prova tem o magistrado uma iniciativa residual a fim de dar função social ao processo, dirimir dúvidas e realizar diligência suplementares a fim de melhor julgar (sistema acusatório inquisitorial).

Porém, esse ponto é objeto de crítica já que para alguns e com base na teoria da Gestão da prova o juiz não deveria ter nenhuma iniciativa nem na fase investigativa e nem mesmo na fase processual cabendo aos outros participes apresentar as provas para ele julgar evitando a contaminação do julgado.

No caso do inquérito das fake news ou das milícias digitais e alguns outros tem sido adotado um sistema diferente de ambos os citados o que gera criticas por parte de vários estudiosos do Direito. Já que, esse inquérito desde o seu início foi permeado de questionamento pois, iniciou por uma interpretação elástica do regimento do STF e sem sequer uma denuncia do Ministério Público e apesar do plenário ter decidido por 10×1 pela sua constitucionalidade o ministro Marco Aurélio, em seu voto divergiu com o argumento que o inquérito feriria o sistema acusatório.

Após isso, teve a questão da revista Crusoé, houve a prisão de um deputado Daniel Silveira, inclusão do ex-presidente por ataques as urnas eletrônicas, questão da revista terça livre, decreto de prisão do blogueiro Alan dos Santos e mais recentemente, o magnata do twitter foi incluido no inquérito o que pode ter sido um pivô para a união de alguns deputados americanos da base do Presidente eleitoTrump a fim de caçar os vistos de entrada nos EUA dos ministros.

Essa é a razão das várias criticas por parte de alguns juristas a respeito do inquérito das fake News ou inquérito do fim do mundo tendo-se em vista que o Ministro Alexandre de Moraes ocupa o vértice de todos os pontos do processo o que para alguns pode comprometer sua parcialidade contaminando os julgados e o fato do inquérito está em vigor depois de 5 anos o que aproxima o inquérito muito do modelo inquisitorial não adotado em nenhum pais do mundo.

Sem contar que questiona-se a questão da parcialidade do Ministro Alexandre de Moraes inclusive, em ambas os seus pontos. O primeiro a imparcialidade subjetiva que se refere a questão da intimo do juiz e a influência de suas convicções pessoais e a outra é a imparcialidade objetiva que é o que os outros pensam ou a regra norte americana “Justice must not only be done; it must also be seen to be done” isto é, a justiça não deve apenas ser feita mas, deve ser vista como sendo feita.

Diante disso, pergunta-se: Por quê tem um juiz de garantia para um assassinato, estupro, organizações criminosas, etc? mas, gora, se houver algum “fala” agressiva contra a suprema corte ai não há juiz de garantia. Será que isso coaduna com os princípios do devido processo legal e com a convenção americana de direitos humanos? do qual o Brasil é signatário que diz em seu art. 8ª, 1, “que toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. O STF entende que sim e você o que acha?

Teorias sobre as provas usadas no Brasil e o Problema da Lava jato

Sobre esse tema vai ainda discorrer sobre algumas teorias sobre as provas muito interessantes e que servirão para você entender ainda mais como tudo funciona e por que a operação lava jato foi questionada no STF.

Antes de adentrarmos no cerne do problema da operação lava jato preciso lhe explicar como funciona as teorias das provas no Brasil. Para isso, vou citar algumas teorias sobe a questão das provas a fim de que você consiga entender por que o juiz de garantia foi criado.

Teoria da arvore dos frutos envenenados

Essa teoria surgiu a partir da ideia de que como uma Árvore contaminada contamina todos os seus frutos da mesma forma uma prova decorrente de uma prova ilícita está contaminada ou seja, se for identificado uma irregularidade processual em qualquer fase do processo todos os atos que advir dele poderão está comprometidos gerando em alguns casos a anulação do processo e ao fim uma possível prescrição como ocorreu nos processos do Lula.

Não estamos aqui falando se a prova é real, se foi cometido o crime ou não, e sim, o fato de que se houve uma conduta irregular a seguir segue as teorias.

– Teoria da Mancha purgada, tinta diluída: o vicio que contaminava a prova pode ser elidido em decorrência de algum acontecimento futuro ou em razão do decurso do tempo, todavia, tal teoria ainda não é aplicada no Brasil só no EUA.

_-Teoria da Serendipidade: Se uma prova é encontrada por acaso, de forma inesperada é possível utilizá-la desde que o processo que a originou não esteja contaminado foi com base nessa teoria que uma investigação de doleiros gerou o processo da lava jato.   

– Teoria da descoberta inevitável: Caso seja demostrado no curso da investigação que uma prova obtida por meios ilícitos inevitavelmente seria descoberta, então poderá a mesma ser usada.

Assista nesse vídeo uma análise jurídica sobre os inquéritos do STF e sobre as críticas levantadas por vários juristas sobre a questão dos referidos processos que correm na relatório do ministro Alexandre de Moraes.

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Autor dos conteúdos do nosso blog
MOISES MARCIONE VELOSO PEREIRA

Fundador do escritório Marcione advogado, Analista jurídico, Psicanalista, Neurocientista, Coautor de 3 livros, 4 pós graduações.

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